Em menos de 10 segundos algumas dezenas de perguntas passaram pela minha cabeça. Algumas implícitas, outras nem tanto. Nada relevante para o mundo, diga-se de passagem - algumas dessas perguntas não pareceram ter vínculos umas com as outras, nem mesmo para mim quando as coloquei separadamente para analisá-las. Apenas me indaguei quanto ao tipo de coisa cabível de se escrever aqui, qual o rumo que nossa sociedade tomará, as perturbações pré-adolescentes (de reais pré-adolescentes e de outros nem assim tão imaturos, ao menos em teoria) e de como o Mark Knopfler consegue tirar aquele som tão legal da guitarra dele em Sultans of Swing.
Mas os motivos que trouxeram a tona todas essas desconexas perguntas, por mais sem sentido ainda que torne a parecer ser, foi uma rápida reflexão sobre o trágico incidente ocorrido em uma escola de Realengo, Rio de Janeiro, o qual terminou com a morte prematura e sem sentido de doze jovens. Todos sabem do que estou falando. Foi uma tragédia, não sei se existe palavra melhor para definir o ocorrido. No entanto não estou aqui para repetir as informações e sofrimentos que a mídia insiste em repetir incessantemente à custa de um fato de tamanha dor para tanta gente.
Logo após a notícia do ocorrido ser disseminada como fogo em palha seca pude ler nos twitters, orkuts e facebooks da vida diversas manifestações sobre o assunto. Vou tentar analisar os dois tipos que mais apareceram na minha rápida olhadela nesses populares meios de comunicação.
Primeiro eu vi o tipo infantil. Aquele no qual a pessoa quer mostrar a todos sua revolta para com o fato, sua indignação em relação a (in)justiça social e sua maturidade ao tratar de assuntos sérios como esse. Esses elementos entram em comunidades do Orkut com o nome ‘Vai arder no inferno’ (comunidade esta seguida da foto do atirador) e colocam rosinhas no nick do msn; tudo isso antes de colocarem o fone de ouvido isolante e voltarem a jogar Halo 3, assim como faziam antes de suas mães, horrorizadas, lhes contarem o ocorrido.
O segundo tipo é o mais interessante de se analisar e o real motivo pelo qual eu escrevo essas linhas. Eu vi muitos posts e comentários sobre o atirador e qual o devido julgamento que se devia fazer sobre o mesmo. Esses posts e comentários, vindos de pessoas com, é bem verdade, instrução intelectual de nível superior ao da grande massa, julgavam o julgamento geral da população, o qual, não precisamos aqui ressaltar, condenou o atirador como uma pessoa de pura maldade, um assassino por instinto. Nada além e a mais do que isso. Essas pessoas dotadas de maior instrução colocaram em cheque, utilizando-se da incrível ferramenta que se tornaram as redes virtuais, toda a estrutura social, uma vez que questões como abordagem psicológica (incluindo a provida pelo governo, a falta da mesma e o bullying, encontrado nos mais diversos níveis sociais e etários), educação e segurança foram colocadas em cena, acusando a massa de uma análise superficial do problema. O buraco é mais embaixo, não tenha dúvida. Não tenho a pretensão de discutir isto aqui, obviamente, é assunto demasiado longo para este modesto post. Mas fico pensando: até que nível um suposto bullying ocorrido na infância é culpado do desencadeamento deum ato de tamanha violência? Não poderia ser algo inerente à natureza do próprio rapaz? Mas, é necessário questionar, até que ponto algo é inerente a alguém ou resultado de uma moldagem de perfil psicológico? Podemos considerar a influência das mais radicais correntes da religião que ele, segundo manuscritos seus encontrados, começava a adotar, as quais contrariam as verdadeiras bases da crença referida, um ponto de força nos fatídicos resultados ocorridos na escola carioca? A soma de todos esses fatores responderia com maior coerência as questões colocadas?
Agora coloco aqui a pergunta para a qual não tenho noção alguma de para qual lado o pendulo da justiça oscilaria com maior força: se o atirador não tivesse se suicidado e fosse detido em perfeitas condições físicas, qual seria seu destino? Preso e tido como o mais vil elemento da sociedade ou colocado sob as asas da medicina psicológica e posto em tratamento por alegação de insanidade mental?
Não estudo psicologia, direito criminal e nem ciências sociais, nem tenho a pretensão de analisar o caso sob uma perspectiva dotada de tamanha propriedade (muitos que possivelmente passam por esse blog podem tecer visões muito mais úteis das que tenho vomitado até então), mas esses diversos comentários e perguntas fizeram-me pensar até onde se estende uma patologia psicológica e onde começa o crime que, independente de uma raiz passiva de justificativa sociocultural, não é passível de absolvição perante a falha constituição brasileira.
Ressalto aqui a intenção deste texto: colocar em questão um pensamento que me ocorreu e não professar um julgamento definitivo. Mas insisto que pensemos neste caso sob diversos prismas e ângulos; que não nos tornemos passivos de informações pré-fabricadas pela exploração midiática do sentimento de dor alheio e não mais haja alienação da população em relação a fatos tão relevantes na sociedade brasileira.
Gustavo de Campos
Caramba Gustavo, amei esse texto. O primeiro tipo de pessoas por você descritas me irrita na mesma proporção que parece te irritar. É sempre (mais do que)útil uma reflexão como a sua. Que bom podermos contar com ela no blog :D
ResponderExcluirComentem galeraa!
Compartilho totalmente da sua opinião Gus. Texto incrível :)
ResponderExcluirÉ Gustavo, digamos que a falsa comoção das pessoas não me comove.
ResponderExcluirConcordo com muita coisa do que você disse, e confesso não saber como se poderia evitar uma fatalidade dessa.
Entretanto mesmo sem saber como evitá-la sei que a mídia tem discutido este caso da maneira mais tosca possível.
Tudo o que fazem é valer-se do sofrimento das pessoas e do clima de comoção para fazer audiência. É a velha fórmula do sensacionalismo funcionando a todo vapor.
Claro, a mídia é a mídia, não poderíamos esperar um debate profundo e construtivo sobre o assunto.
Então, vamos nós aqui fazer a nossa parte e renegar toda a ladainha que pesteia nossos ouvidos.
E vamos nos preocupar com questões realmente relevantes.
Seria esse episódio resultado da falta de apoio das escolas a crianças com distúrbios mentais?
Seria esse maluco um resíduo de uma sociedade que funciona como máquina, que alimenta-se de vidas e descarta todos aqueles que não servem?
Talvez, por ironia do destino, a moléstia que se abateu sobre a escola de Realengo seja consequência de um sistema educacional que não é democrático, não respeita as singularidades dos alunos, e sobretudo, não está preparado para lidar com a adversidade que é um "sociopata em potencial".
Que acham disso tudo?
Marco Aurélio