Os relatos e informações a seguir foram tirados dos registros de um desconhecido humanista de meados do século XVII, o qual nos transmite posicionamentos da sociedade de seu século. Sua nacionalidade não é de nosso conhecimento, mas as divagações aqui feitas não tem por influência tal fator, pois suas notas são reflexos de uma faceta intrínseca do homem, que muitas vezes só espera por sua libertação para vir à tona. Segue então seu relato.
“Tem-se visto ultimamente um enorme número de atrozes tentativas de atentado ao que há de mais precioso no ser humano: seu Espírito. Não me refiro aqui a algo vulgar e desprovido de seu significado mais profundo e verdadeiro, como é comumente empregada essa palavra, a qual é mais do que um substantivo, é algo nobre, além do que é material, transcendendo a carne e nos projetando acima da ignorância e das neblinas das trevas. É o estado de comunhão entre passionalidade e racionalidade, algo etéreo demais para, muitas vezes, ser explicado senão com a expressão do mesmo, através de qualquer meio.
Sinto-me envergonhado (ou ‘enojado’ poderia ser-me de maior precisão), uma vez que sei do potencial do Espírito humano, ao ser obrigado pelos meus valores a denunciar tamanhas monstruosidades encontradas em nossas sociedades. Mas não pense que isto está longe de você; está na soleira da sua porta, entre as ditas pessoas cultas, entre você e eu. Relatemos então estas coisas antes que minha indignação com tais fatos me impeça de fazê-lo.
Um rapaz foi agredido física e verbalmente por outros dois jovens em uma movimentada avenida de uma de nossas cidades, apenas porque eles consideraram que o garoto tinha um jeito diferente de andar, um jeito, como eles próprios definiram, que os fazia colocar em cheque a orientação sexual julgada por eles correta. Eis o motivo para ferir alguém.
Um homem de nosso círculo político fez declarações explícitas contra pessoas de etnia negra e de orientação homossexual. Ele tentou se defender no começo, mas acabou por ofender sua interlocutora de maneira que seu posicionamento ficou claro.
Partamos para casos mais gerais. O homem é explorado em seu trabalho de forma escrava, alienada e anti-humanitária. A mulher é impelida, por diversos pontos de rebaixamento social ao qual é imposta, a vender seu corpo, degradando sua imagem em um ciclo sem fim de miséria e tentativa de sobrevivência. A criança não é tratada como tal, é colocada como mais um elemento que pode ser instantaneamente manipulado. Sua educação é negligenciada e, quando crescem, é preciso castigá-los como homens, porque não foram educados quando crianças. Muitas vezes são obrigados a trabalhar (em vários casos nas mesmas, ou piores, condições do já descrito homem) para ajudar a sustentar sua pobre família que, desamparada por um governo mais preocupado com sua própria corte do que com aqueles que deveriam ser seu compromisso de integridade: o povo. Povo este que é tratado como um rebanho a ser conduzido pelo seu pastor, o governo. Mas este pastor não tem intenções de livrar suas ovelhas do vale da morte, ele as induz ao mesmo; senão com a morte do físico, com a morte daquilo que deveria ter sido seu Espírito.
Talvez a aurora de uma elucidação do ser humano ainda esteja por vir, mas por enquanto nos resta buscá-la no horizonte, em nós mesmos, em nossos companheiros, na máxima expressão do Espírito humano incontível, desconhecedor de barreiras: a Arte. Seja ela a Arte de viver, a Arte materializada em obras plásticas, verbais, musicais. Mas que seja ela Arte. Que seja ela Espírito.”
É interessante avaliarmos os pensamentos de um autor cujas bases humanitárias o impelem a um direcionamento pautado em princípios éticos para com o seu descrito Espírito, uma vez que...
Espere um pouco...
Eu disse século XVII? Perdão.
Engano meu. Esses relatos todos provêm de uma avaliação da última década feita por um autor, de fato, desconhecido. Ou melhor, não um desconhecido por completo. Basta libertarmos, ao menos, parte de nosso Espírito e logo reconheceremos a cruz que ele carrega; orgulhoso de lutar contra isso, triste por seus poucos companheiros de princípios e crente na possibilidade da luz dissipar as trevas. Sabemos sua nacionalidade agora: humano.
"Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século - a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância - não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis." Os Miseráveis, Victor Hugo
Gustavo de Campos
Fantástico Gus. Realmente reflexões intrínsecas para nosso momento Histórico.
ResponderExcluirE o autor de tal obra é mesmo desconhecido campeão?
Uma pena =/
Os Miseráveis *---*
ResponderExcluirAdorei o texto Gus..