sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Auto da Barca e o da Compadecida


Um auto é uma obra de profundo caráter reflexivo que, muitas vezes, entretém o público com uma face cômica e divertida. No entanto, por trás de tudo isso, há sérios valores morais em questão.
Ao fazermos esta breve consideração, colocando de um lado O Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente e do outro O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, com adaptação para os cinemas por Guel Arraes, podemos sentir de forma rápida as semelhanças e comparações entre ambos pululando em nossas mentes.
De imediato, claro, temos a questão do julgamento: Na obra de Gil Vicente o inferno é retratado por senão o próprio diabo em sua embarcação, enquanto o céu é representado por um anjo ao comando da barca celestial. Na adaptação de Guel Arraes, temos novamente o próprio demônio convidando os recém-chegados que partam com ele em direção às profundezas, porém a figura do lado divino é Jesus Cristo, que funciona até mesmo como uma espécie de juiz.
Em ambos os casos, grande parte dos “réus”, por assim dizer, julgam-se dignos de fazer a viagem rumo ao plano celeste, contudo, em o Auto da Barca do Inferno, a maioria não consegue evitar o eterno castigo. Já em O Auto da Compadecida, Maria, a mãe de Jesus, também chamada de Nossa Senhora, acaba intervindo pelas almas, tornando-se então a defensora deles. Ótima defensora por sinal, pois acaba – com seus argumentos – salvando todos do fogo eterno, conseguindo-lhes um lugar no purgatório, com exceção da personagem João Grilo, que retorna à sua vida enquanto ser humano aqui na terra.
Dos dois lados temos obras com certo cunho medieval (pois é!), lembrando, é claro, que Gil Vicente é séculos anterior a Ariano Suassuna ou Guel Arraes.
O lado mais interessante das obras é, de fato, a crítica social. Em o Auto da Barca do Inferno essa crítica não é explícita, fica atrás de certo caráter cômico. Em O Auto da Compadecida também, porém a grande diferença é que, ao final da adaptação de Guel Arraes, todos os que estão prestes a morrer, confessam seus pecados e deixam bem claro o lado imoral da situação, cabendo ao espectador apenas associar o fatos à vida cotidiana do ser humano.
            Tocando na questão da vida cotidiana do ser humano, é impressionante o poder reflexivo e crítico do Auto – desde que este seja bem elaborado. Infelizmente, nem todos compreendem o que se passa por trás da temática religiosa ou profana, satírica ou não. Alguns acreditam de fato, que o Auto da Barca do Inferno refere-se simplesmente a dois barcos com destinos opostos, e só! A partir de então, levantado este problema e, trazendo-o para o campo dos estudos, ou mais diretamente, para a sala de aula, percebemos que o trabalho com os Autos, como objeto de questionamento dos valores morais e do comportamento da sociedade, como a natural reflexão acerca deles é de suma importância na vida da literatura e do próprio ser humano. A forma com a qual o Auto aborda a Ética – o questionamento da moral – é surpreendente. Excelente meio de fazer pessoas pensarem a respeito da sociedade e da situação na qual vivem, bem como as vidas que levam – ou deixam levar. Poderosa ferramenta para, como diz Jostein Gaarden em “O Mundo de Sofia”, tentar “fazer as pessoas subirem para a ponta dos pelos do coelho, o grande coelho”.

João Cianelli

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Hasta Siempre Commandante

Desculpem-me pessoal pelo atraso com a postagem. Tive uns contratempos.

De qualquer modo, deixo vocês com uma música muito bacana interpretada pelos senhores do Buena Vista Social Club.



Abraços!



Marco Aurélio

Baquetas empunhadas e câmera na mão

Voltemos a escrever então.
Nos meus últimos posts eu acabei falando sobre coisas demasiadas tensas para a abrangente proposta com que esse blog foi criado, portanto falarei essa semana sobre um vídeo que me chamou a atenção pela dimensão que musicalmente atinge e por envolver um brasileiro, o qual eu musicalmente admiro.
O vídeo em questão tem seu link no fim desse post e recomendo que vejam ele apesar da relativa extensiva duração. Eis o caso: no segundo semestre de 2010 o baterista da banda Dream Theater , Mike Portnoy, considerado um dos melhores do mundo em seu instrumento, deixa a banda por motivos que nem mesmo seu amigos souberam explicar com clareza. Após sua saída ele teve uma curta e brutal passagem pelas baquetas da banda Avenged Sevenfold e sua antiga banda continuou com o bumbo duplo estagnado. Agora Petrucci (guitarra), Miung (baixo), LaBrie (vocais) e Jordan (teclados) resolveram correr atrás do prejuízo e procurar um substituto para o posto vago.
Mas quem substituirá o monstro da percussão? Nada melhor que um reality show com sete grandes bateristas do mundo todo para encontrar alguém a altura de tal desafio. O primeiro a ser testado foi Mike Mangini, experiente baterista com passagens pela sempre excepcional banda de Steve Vai e da noventista Extreme, demonstrando muito bom humor e tanto técnica como pegada fantásticas atrás dos tons e pratos.
Fora o show de exuberância técnica que o convidado em teste e toda a banda mostram, o feeling e a aparente sinceridade nas declarações, temos um brasileiro entre os candidatos. Aquiles Priester, ex-baterista da banda brasileira Angra e capitão da Hangar, terá uma chance de mostrar do que é feito. Não posso, não consigo e nem quero ser imparcial aqui quanto à análise desse cara. É inevitável dizer que sou muito fã de Angra e que admiro fortemente o trabalho que ele lá executou e a perplexidade que eu senti ao vê-lo literalmente espancar a bateria ao vivo em um show do Hangar. Era bumbo duplo, tempo quebrado, feeling e polirritmia voando pra tudo quanto é lado.
No final do vídeo James LaBrie comenta, sem fazer referência a qualquer um dos candidatos, que ficou extremamente impressionado com um deles, no entanto, não revela qual deles é. Confesso que torço fortemente para que essas palavras tenham sido dirigidas ao Aquiles, mas a competição será intensa, pois todos os outros são grandes músicos. Apesar da torcida caseira realmente espero que o mais adequado ao Theater seja escolhido e que logo possam voltar ao que melhor sabem fazer.
Então aproveitem esse primeiro vídeo enquanto esperamos as próximas duas partes e a escolha final. Pra músicos e leigos, pra quem curte Theater e pra quem não curte, esse músicos são levados aos seus limites e com certeza é muito mais interessante do que ver o Big Brother.



Gustavo de Campos

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Visão além do alcance, futebol e política

Está sendo noticiada em todos os jornais, impressos ou televisivos. Haverá aqui, mas não sabemos em quais condições. A Copa Mundial de Futebol. É disso que estou falando.
É do conhecimento de todos que a próxima Copa Mundial de Futebol se realizará no Brasil, no ano de 2014, e tenho visto e ouvido em diversos lugares críticas ferozes ao governo por aceitar tal monumental evento em nossa pátria. Os argumentos dos quais bebem essas críticas, a primeira vista, tem um fundo humanitário incontestável e um julgamento em prol da justiça social inequívoco, questionando porque os milhões (ou bilhões, deveria eu dizer) de reais investidos nesse evento não poderiam ser diretamente aplicados em educação, combate a pobreza e segurança pública, por exemplo. No entanto toda essa crítica se faz de maneira superficial, sem olhos no futuro e em um planejamento pautado em investimentos que poderão satisfazer a sede por um país melhor de maneira mais eficiente.
Primeiramente, deve-se dizer algo óbvio (não aos olhos de todos, aparentemente): todas as obras construídas para atender a demanda de público e evento da Copa continuarão a existir no mesmo tempo-espaço em que nós. Não só estádios, mas aeroportos, rodovias e estradas, edifícios administrativos, extensão de redes hidráulicas e de eletricidade, em resumo, uma considerável infra-estrutura urbana tem por projeto o objetivo ser instalada em nosso país, fato este que pode beneficiar milhões de pessoas, direta ou indiretamente, com oportunidades de emprego, melhoria de acesso as mais diversas partes das cidades, atendimento de água e esgoto a lugares que, vergonhosamente, antes não dispunham destes recursos e tantos outros elementos de bem público. Mas tudo depende da maneira como será administrada toda essa infra-estrutura após a Copa e, mais importante, o projeto com as premissas facilitadoras dessa mesma administração e de sua construção e utilização. Existem cidades exemplares para as quais se deve olhar e compreender em quais proporções um evento como este pode modificar uma região, como Barcelona após a Olimpíada realizada em seus domínios, desenvolvendo sua área portuária, vias de trânsito e sistemas de acesso, saneamento e moradia. Barcelona, por sua vez, pode ser contrastada com Atenas, a qual, com as obras realizadas para sua Olimpíada, causou entupimento de suas vias e desenvolvimento social praticamente nulo, não aproveitando a oportunidade que lhe foi dada. Sendo assim, pode-se concluir que os resultados pós-evento se originam em um cuidadoso planejamento pautado nas mais diversas áreas sociais e suas estruturas. Além disso, o governo não teria como investir esse grande orçamento de que se propôs a colocar na realização da Copa diretamente em projetos sociais, pois isso acarretaria um grande rombo nos cofres do Planalto, sem retorno financeiro suficiente para evitar um colapso nos próprios setores agraciados com o investimento.
Todavia, a estrutura própria do evento deve ser executada para tais metas serem atingidas. Indo em contradição com essa perspectiva, diversas notícias chegam a nós relatando atrasos, falta de comprometimento com as obras e planejamento mal feito, tanto para execução como para usos futuros. Temos como exemplo os estádios planejados para Manaus e Cuiabá, os quais, segundo diversas previsões, não terão condições de gerar renda suficiente sequer para sua manutenção após a Copa. Os aeroportos e suas reformas, estritamente necessários para o recebimento da grande carga de turistas e delegações esportivas estrangeiras, que também enriqueceriam grandemente as estruturas aeroviárias do país, não estão recebendo os devidos recursos prometidos pelo governo. Pra não falar da ridícula ideia (eu disse ‘corrupção’?) de investir em um estádio na cidade de São Paulo com obras ainda não iniciadas e de acesso estupidamente complicado ao invés de olhar para um outro que necessita apenas de algumas adaptações e dispõe de um acesso muito menos complexo de se resolver.
Essa situação está chegando a um ponto em que logo a entrega de tais obras a iniciativa privada será fortemente cogitada. Confesso que essa ideia definitivamente não me agrada, pois penso que um Estado forte, dotado, obviamente, de princípios sociais e humanitários, é o início da solução para os problemas encontrados dentro de nossas fronteiras, mas, após o comprometimento com um evento de tais proporções e a ineficiência de se cumprir tais premissas, talvez essa seja a solução mais eficaz. Isso, é claro, se a oitava maior economia do planeta não quiser passar vergonha diante do mundo inteiro. E vergonha aqui não se entenda como um sentimento de reprovação ou infelicidade da população, mas como uma afetação considerável nas finanças públicas e, aí sim, um grave efeito colateral na sociedade como um todo.


Gustavo de Campos

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Soylent Green. Direção Richard Fleischer ( 1973 )

Ai pessoal, trago até vocês, nesta segunda feira ,um filme totalmente Old School - rodado na década de 70. Vocês não perdem por esperar. Além de uma forte crítica ao neomalthusianismo, o filme apresenta outras críticas sociais - indústria alimentícia e degradação do meio ambiente, por exemplo.



SINOPSE: No ano de 2022, a cidade de Nova Iorque conta com 40 milhões de habitantes. Para alimentar as inúmeras pessoas pobres e desempregadas, existem tabletes verdes chamados de Soylent Green, produzidos através da industrialização de algas. 

Somente os ricos tem acesso a comidas raras, como carnes, frutas e legumes. Quando um rico empresário das indústrias Soylent Corporation é assassinado em seu luxuoso apartamento, o detetive policial Robert Thorn (Charlton Heston) começa a investigar. Ele de imediato suspeita do guarda-costas do empresário, que alega ter saído na hora do crime. Após interrogá-lo, Thorn vai ao apartamento dele e encontra coisas suspeitas, como uma colher com restos do caríssimo morango. Enquanto Thorn persegue o guarda-costas, seu idoso parceiro Sol começa a investigar os registros e papéis do empresário morto. E acaba descobrindo uma verdade estarrecedora.





Mais uma Distopia. Um ótimo filme setentista. Agradecimentos pela indicação ao Gordo do Xerox e pelo Download e Sinopse ao Blog: 


http://rarosdanet.blogspot.com/2011/01/soylent-green-ficcao-cientifica.html





Marco Aurélio

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O Que É Isso, Companheiro?

No último domingo à noite, no conhecido programa televisivo de entrevistas apresentado por Marília Gabriela, estava na cadeira de entrevistados ninguém mais, ninguém menos do que Fernando Gabeira. Não cabe à minha pessoa definir – ou pelo menos tentar fazê-lo– quem é Fernando Gabeira, portanto, caso você não saiba muito bem de quem se trata, pergunta para o Google aí na outra aba do seu navegador.

Enfim, Gabeira participou do programa e, em determinado momento, foi questionado com relação à atitude do atual “jovem brasileiro” em comparação aos jovens de sua época – aqui vale enfatizar, jovens que viveram a ditadura militar. Muitas pessoas nesse momento diriam: “é claro que o jovem da época era mais ativo, enérgico, se preocupava com o país. Hoje em dia ninguém tá nem aí e blá, blá, blá, shit, shit shit...”. Vocês já repararam como essas frases – tão comuns – são curiosas? “Ninguém tá nem aí”, “brasileiro é burro, não sabe votar”. As pessoas que costumam proferir esse tipo de sentença NUNCA SE CONSIDERAM PARTE DESSE TODO. Sempre são melhores que isso, quando na maioria das vezes, não são. Mas vamos ao que interessa...

Gabeira disse que o jovem de hoje, apesar de todas as guerras e conflitos armados que vê, aprendeu que pegar em armas e sair matando pessoas não é a solução. Também aprendeu que a História não é simplesmente alterada para um novo curso a partir de uma ação conjunta e seguirá esse rumo de maneira previamente planejada para todo o sempre. Não se cria um novo sistema de governo por meio de uma revolução e, uma vez alcançada a vitória, fica definido que esse sistema novo funcionará como planejado, que a engrenagem nunca trará problemas e a História está encaminhada para rolar sobre o script. O jovem de hoje sabe que não é assim, muito graças aos jovens daquela outra época, daquele regime opressor e inqualificavelmente estúpido.

Fernando Gabeira disse ver a atitude em projetos como defesa dos animais, defesa da natureza, defesa de um ideal. Vejo um grande ideal na busca pela disseminação de diálogos inteligentes, que tentem ajudar a abrir a mente das pessoas e não convencê-las, ou pior, aliená-las.

Talvez, ao invés de ficarmos dizendo que o jovem de hoje não se mexe, que tal pensarmos em detalhes daqueles anos de conflito e repressão no Brasil. Será que realmente as forças de resistência estavam cobertas de razão? Será que, caso essas forças conseguissem de fato, derrotar o regime opressor, estaríamos em melhores mãos? Será que o governo que poderia vir ser instaurado, era o melhor para todos? Você já se questionou a respeito? Não?! O que é isso, companheiro?

Há 50 anos colocaram Yuri Gagarin em órbita. Uma grande potência ficou de queixo caído e decidiu que era hora de agir. Muitas coisas aconteceram desde então e vimos uma metade de Século XX se desenrolar diante de nossos olhos. Mas talvez nem tudo tenha sido exposto no teatro dos comuns. Talvez muitas coisas tenham entrado em cartaz apenas para alguns. Pode até ser que tenham acontecido – e alterado a nossa própria história - simplesmente por trás das cortinas. Talvez não queiram que vejamos determinadas peças. O que é isso, companheiro?

João Cianelli

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mas e se...?


Em menos de 10 segundos algumas dezenas de perguntas passaram pela minha cabeça. Algumas implícitas, outras nem tanto. Nada relevante para o mundo, diga-se de passagem - algumas dessas perguntas não pareceram ter vínculos umas com as outras, nem mesmo para mim quando as coloquei separadamente para analisá-las. Apenas me indaguei quanto ao tipo de coisa cabível de se escrever aqui, qual o rumo que nossa sociedade tomará, as perturbações pré-adolescentes (de reais pré-adolescentes e de outros nem assim tão imaturos, ao menos em teoria) e de como o Mark Knopfler consegue tirar aquele som tão legal da guitarra dele em Sultans of Swing.
Mas os motivos que trouxeram a tona todas essas desconexas perguntas, por mais sem sentido ainda que torne a parecer ser, foi uma rápida reflexão sobre o trágico incidente ocorrido em uma escola de Realengo, Rio de Janeiro, o qual terminou com a morte prematura e sem sentido de doze jovens. Todos sabem do que estou falando. Foi uma tragédia, não sei se existe palavra melhor para definir o ocorrido. No entanto não estou aqui para repetir as informações e sofrimentos que a mídia insiste em repetir incessantemente à custa de um fato de tamanha dor para tanta gente.
Logo após a notícia do ocorrido ser disseminada como fogo em palha seca pude ler nos twitters, orkuts e facebooks da vida diversas manifestações sobre o assunto. Vou tentar analisar os dois tipos que mais apareceram na minha rápida olhadela nesses populares meios de comunicação.
Primeiro eu vi o tipo infantil. Aquele no qual a pessoa quer mostrar a todos sua revolta para com o fato, sua indignação em relação a (in)justiça social e sua maturidade ao tratar de assuntos sérios como esse. Esses elementos entram em comunidades do Orkut com o nome ‘Vai arder no inferno’ (comunidade esta seguida da foto do atirador) e colocam rosinhas no nick do msn; tudo isso antes de colocarem o fone de ouvido isolante e voltarem a jogar Halo 3, assim como faziam antes de suas mães, horrorizadas, lhes contarem o ocorrido.
O segundo tipo é o mais interessante de se analisar e o real motivo pelo qual eu escrevo essas linhas. Eu vi muitos posts e comentários sobre o atirador e qual o devido julgamento que se devia fazer sobre o mesmo. Esses posts e comentários, vindos de pessoas com, é bem verdade, instrução intelectual de nível superior ao da grande massa, julgavam o julgamento geral da população, o qual, não precisamos aqui ressaltar, condenou o atirador como uma pessoa de pura maldade, um assassino por instinto. Nada além e a mais do que isso. Essas pessoas dotadas de maior instrução colocaram em cheque, utilizando-se da incrível ferramenta que se tornaram as redes virtuais, toda a estrutura social, uma vez que questões como abordagem psicológica (incluindo a provida pelo governo, a falta da mesma e o bullying, encontrado nos mais diversos níveis sociais e etários), educação e segurança foram colocadas em cena, acusando a massa de uma análise superficial do problema. O buraco é mais embaixo, não tenha dúvida. Não tenho a pretensão de discutir isto aqui, obviamente, é assunto demasiado longo para este modesto post. Mas fico pensando: até que nível um suposto bullying ocorrido na infância é culpado do desencadeamento deum ato de tamanha violência? Não poderia ser algo inerente à natureza do próprio rapaz? Mas, é necessário questionar, até que ponto algo é inerente a alguém ou resultado de uma moldagem de perfil psicológico? Podemos considerar a influência das mais radicais correntes da religião que ele, segundo manuscritos seus encontrados, começava a adotar, as quais contrariam as verdadeiras bases da crença referida, um ponto de força nos fatídicos resultados ocorridos na escola carioca? A soma de todos esses fatores responderia com maior coerência as questões colocadas?
Agora coloco aqui a pergunta para a qual não tenho noção alguma de para qual lado o pendulo da justiça oscilaria com maior força: se o atirador não tivesse se suicidado e fosse detido em perfeitas condições físicas, qual seria seu destino? Preso e tido como o mais vil elemento da sociedade ou colocado sob as asas da medicina psicológica e posto em tratamento por alegação de insanidade mental?
Não estudo psicologia, direito criminal e nem ciências sociais, nem tenho a pretensão de analisar o caso sob uma perspectiva dotada de tamanha propriedade (muitos que possivelmente passam por esse blog podem tecer visões muito mais úteis das que tenho vomitado até então), mas esses diversos comentários e perguntas fizeram-me pensar até onde se estende uma patologia psicológica e onde começa o crime que, independente de uma raiz passiva de justificativa sociocultural, não é passível de absolvição perante a falha constituição brasileira.
Ressalto aqui a intenção deste texto: colocar em questão um pensamento que me ocorreu e não professar um julgamento definitivo. Mas insisto que pensemos neste caso sob diversos prismas e ângulos; que não nos tornemos passivos de informações pré-fabricadas pela exploração midiática do sentimento de dor alheio e não mais haja alienação da população em relação a fatos tão relevantes na sociedade brasileira.


Gustavo de Campos

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Crônica do Professor

Segunda-Feira, mais um dia  típico de inverno no interior de São Paulo - daqueles em que faz frio pela manhã e esquenta a tarde.
Pedro desperta, meio sonolento, ao som irritante de seu despertador. Ele se levanta, toma um banho rápido, veste suas roupas e toma um café as pressas. Mais uma semana de trabalho o espera...
A caminho da escola se depara com as mesmas pessoas de sempre, um ou outro aceno para cá, um sorriso para lá, e assim segue sua jornada até a escola onde leciona.
Pedro é simpático, inclusive nas segundas feiras - dia do mau humor. Assim que chega a escola seus alunos os vem receber, ele é muito querido por seus educandos. Depois de uns abraços, uns apertos de mão e muitos sorrisos ele se dirige para a sala dos professores. O pesadelo vai começar:
- Ai Pedro esses demônios não te deixam em paz. Como você aguenta?
- É Pedro, ai se fosse comigo...
Pedro odeia ficar na sala dos professores, lá é o local onde ele ouve os mais absurdos comentários sobre educação. Toda vez que é obrigado a ficar lá por uns minutos ele se pergunta o por que de deus não ter feito o homem com audição seletiva. E a tortura continua:
- Esse país não tem jeito. Bom mesmo eram os tempos da ditadura militar. Naquele tempo sim havia disciplina.
- Ah com certeza, quando minha mãe estudava os alunos não davam um pio na sala. Se falasse fora de hora apanhava, naquela época sim era bom. Havia respeito, os alunos tinham medo do professor.
- Mas hoje ninguém respeita mais, são todos um bando de mal criados, sem educação, não estão nem ai para nada.
Pedro ouve calado, e se corrói e meio a tanta falta de senso. Pedro sabe dos problemas da Educação no Brasil - e sobretudo no estado de São Paulo - , sabe do quanto o professor tem sido banalizado hoje em dia - com salários miseráveis, divisão da classe em categorias, e falta de autonomia e recursos em sala de aula. Porém Pedro é um guerreiro e não desiste de lutar - dentro e fora da sala de aula. Pedro é um ativista, tanto na luta sindical quanto nas causas sociais que o cercam.
Ele tem a consciência de que é um ser ainda inacabado, que aprende a cada dia, a cada aula que aplica, a cada diálogo com um aluno, a cada greve, a cada manifestação... Sabe da importância de estar sempre se questionando, se atualizando, aprendendo com seus erros, sendo solidário com seus semelhantes e lutando por melhores condições de vida.
Sim, Pedro sabe de todas essas coisas. É por isso que sofre tanto ao ouvir as baboseiras de seus colegas - mas não de todos. Porém, ele logo vai para sala, onde se sente bem. Ministra suas aulas com confiança e boa vontade. Ouvindo e sendo ouvido, dando broncas e sorrisos. Sendo humano.
Ao final do dia, ele está exausto, entretanto volta para casa com a sensação do dever cumprido. Ele deu o melhor de si, cometeu alguns erros, outros acertos. E agora poderá descansar, pensar e repensar suas atitudes - como gosta de fazer. Para então no outro dia começar tudo denovo...

... assim são os dias de meu querido Professor Pedro.


Marco Aurélio

sábado, 9 de abril de 2011

Com licença, homem 'drummondiano'...

Poema de Sete Faces - Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci um anjo torto 
Desses que vive na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
Não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de peras:
Pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
 
Porém meus olhos 
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
 
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
 
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
 
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
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Com Licença Poética - Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.

Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
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O poema que abre o primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, Poema de Sete Faces, procura mostrar uma visão de poeta sem esperança para o mundo, como a primeira estrofe pode exemplificar com a previsão de que o poeta será um gauche na vida (do francês goshi: esquerdo, torto, desajeitado). Comovido e remoendo fatos e lembranças, Drummond lamenta da falta de amigos, de sua própria fraqueza, e de sua ira quanto a Deus. 
Por outro lado, Adélia Prado, como o próprio nome já anuncia, pede licença para introduzir-se na literatura e utilizar Sete Faces de Drummond para ressaltar o poder do sexo feminino. Ao contrário do eu - lírico do poeta, a autora nos apresenta uma mulher destinada a se destacar, que segue pretextos, mas também inova ao escrever, por mais que esta fosse uma  “[...] espécie ainda envergonhada”. E para deixar ainda mais claro sobre sua força feminina, a poetisa diz que dor não é amargura, uma relação com todas as discriminações que as mulheres sofreram no passado, e que por mais diminuídas, ainda aparecem nos dias atuais. Outra alfinetada no homem de Drummond, que diante dos sofrimentos fica a lamentar-se e a embebedar-se. 
 Apesar da paródia, Adélia também segue seu caminho, criando seu próprio poema a partir de um eu - lírico mais forte que o próprio homem, ela como todas as outras mulheres. Estas que não podem “comover-se como o diabo”, pois tem suas próprias obrigações e dificuldades, e não se derrubam com as amarguras, fundam reinos, inovam, adaptam-se. É como se Prado apresentasse uma nova "opção" de eu-lírico aos poetas: chega de homens coxos, talvez seja o momento de mulheres desdobráveis.
Enfim, o ar pessimista de Drummond, acaba dando lugar a uma idealização da mulher por Adélia. O diálogo, por mais oposto que seja, permanece entre os dois poemas, por mais crítico que um seja ao outro. E, aventurando-se como feminista ao estilo Adélia, podemos dizer que o olhar rancoroso e comovido que os homens ‘drummondianos’ tentam transmitir as mulheres há anos, encontra nesse poema sua resposta: “Mulher é desdobrável. Eu sou”.

Mirella Ghiraldi



sexta-feira, 8 de abril de 2011

Blitzkrieg Mais-Que-Moderna

No livro "O Discurso do Rei", de Mark Logue e Peter Conradi, parte da [fascinante porém aterrorizante] história da Segunda Guerra Mundial é contada. Nesses trechos do conflito retratados, está aquele referente à Blitzkrieg - os ataques aéreos alemães. Pois bem, a guerra acabou, o tempo passou, o mundo mudou.
Encontra-se inserida em nossa sociedade do século XXI uma nova Blitzkrieg, da qual todos já fomos/somos vítimas. Ela costuma acontecer quando, ao ligarmos nossos televisores, homens de ternos caros atrás de bancadas nos dizem "boa noite". Então, de maneira súbita, descarrega-se uma artilharia pesada, cruel, manipuladora e porca sobre nossas pobres, frágeis e já afetadas cabecinhas. Essa artilharia vem "editada" e convertida para o formato de nossas mentes, sendo que seu estrago pode causar danos irreversíveis. Pois é, é a Blitzkrieg mais-que-moderna.
No livro, um jovem Bertie, futuro Rei George VI, luta contra problemas de fala e tenta impor sua voz. Ele o busca de maneiras diversas e até mesmo absurdas, até encontrar o caminho para que sua fala possa fluir. 
O homem tornou-se Rei (não santo), comandou um império em uma guerra sangrenta, conquistou milhões de seguidores, contribuiu para as mudanças de rumo da Inglaterra e do mundo moderno. Bertie utilizou sua voz, bradou ao mundo. Quando foi a última vez que fizemos/conseguimos fazer o mesmo?
Será mesmo que a Blitzkrieg mais-que-moderna é tão mais poderosa que nossas vozes, falas, dicções conjuntas? Acredito que não, ela apenas "está em um momento de vantagem". Porém, como disse, a artilharia é pesada, covarde e manipuladora. 
Há pouco mais de seis décadas e meia, Bertie e sua voz triunfaram sobre um inimigo nazista. Assim como ele, também somos capazes de superar nossos problemas de fala, somos capazes de conquistar milhares - senão milhões - , somos conjunto forte dotado de riquezas individuais. 
Que discursemos então para a nação e para os monumentos de nossa grandeza. Que assim como Bertie voltou a Wimbledon e superou seus medos, superemos nossos temores e horrores. Não peço que voltemos a ter desilusões nem que sejamos heróis. Exalto para que nos protejamos da Blitzkrieg mais-que-moderna e sejamos maiores do que ela.


Um velho senhor milionário morre e vira santo. Sua luta contra uma doença o faz ser considerado "símbolo de amor à vida". Símbolo de amor à vida, heroísmo, eu vejo naqueles que lutaram e que lutam contra essa mesma doença porém, seus únicos milhões, são de pensamentos positivos e fé (não que eu duvide do poder disso).


Não peço que voltemos a ter desilusões nem que sejamos heróis. Exalto para que nos protejamos da Blitzkrieg mais-que-moderna e sejamos maiores do que ela.


João Cianelli

terça-feira, 5 de abril de 2011

Atemporal miséria do Espírito

Os relatos e informações a seguir foram tirados dos registros de um desconhecido humanista de meados do século XVII, o qual nos transmite posicionamentos da sociedade de seu século. Sua nacionalidade não é de nosso conhecimento, mas as divagações aqui feitas não tem por influência tal fator, pois suas notas são reflexos de uma faceta intrínseca do homem, que muitas vezes só espera por sua libertação para vir à tona. Segue então seu relato.

“Tem-se visto ultimamente um enorme número de atrozes tentativas de atentado ao que há de mais precioso no ser humano: seu Espírito. Não me refiro aqui a algo vulgar e desprovido de seu significado mais profundo e verdadeiro, como é comumente empregada essa palavra, a qual é mais do que um substantivo, é algo nobre, além do que é material, transcendendo a carne e nos projetando acima da ignorância e das neblinas das trevas. É o estado de comunhão entre passionalidade e racionalidade, algo etéreo demais para, muitas vezes, ser explicado senão com a expressão do mesmo, através de qualquer meio.
Sinto-me envergonhado (ou ‘enojado’ poderia ser-me de maior precisão), uma vez que sei do potencial do Espírito humano, ao ser obrigado pelos meus valores a denunciar tamanhas monstruosidades encontradas em nossas sociedades. Mas não pense que isto está longe de você; está na soleira da sua porta, entre as ditas pessoas cultas, entre você e eu. Relatemos então estas coisas antes que minha indignação com tais fatos me impeça de fazê-lo.
Um rapaz foi agredido física e verbalmente por outros dois jovens em uma movimentada avenida de uma de nossas cidades, apenas porque eles consideraram que o garoto tinha um jeito diferente de andar, um jeito, como eles próprios definiram, que os fazia colocar em cheque a orientação sexual julgada por eles correta. Eis o motivo para ferir alguém.
Um homem de nosso círculo político fez declarações explícitas contra pessoas de etnia negra e de orientação homossexual. Ele tentou se defender no começo, mas acabou por ofender sua interlocutora de maneira que seu posicionamento ficou claro.
Partamos para casos mais gerais. O homem é explorado em seu trabalho de forma escrava, alienada e anti-humanitária. A mulher é impelida, por diversos pontos de rebaixamento social ao qual é imposta, a vender seu corpo, degradando sua imagem em um ciclo sem fim de miséria e tentativa de sobrevivência. A criança não é tratada como tal, é colocada como mais um elemento que pode ser instantaneamente manipulado. Sua educação é negligenciada e, quando crescem, é preciso castigá-los como homens, porque não foram educados quando crianças. Muitas vezes são obrigados a trabalhar (em vários casos nas mesmas, ou piores, condições do já descrito homem) para ajudar a sustentar sua pobre família que, desamparada por um governo mais preocupado com sua própria corte do que com aqueles que deveriam ser seu compromisso de integridade: o povo. Povo este que é tratado como um rebanho a ser conduzido pelo seu pastor, o governo. Mas este pastor não tem intenções de livrar suas ovelhas do vale da morte, ele as induz ao mesmo; senão com a morte do físico, com a morte daquilo que deveria ter sido seu Espírito.
Talvez a aurora de uma elucidação do ser humano ainda esteja por vir, mas por enquanto nos resta buscá-la no horizonte, em nós mesmos, em nossos companheiros, na máxima expressão do Espírito humano incontível, desconhecedor de barreiras: a Arte. Seja ela a Arte de viver, a Arte materializada em obras plásticas, verbais, musicais. Mas que seja ela Arte. Que seja ela Espírito.”

É interessante avaliarmos os pensamentos de um autor cujas bases humanitárias o impelem a um direcionamento pautado em princípios éticos para com o seu descrito Espírito, uma vez que...
Espere um pouco...
Eu disse século XVII? Perdão.
Engano meu. Esses relatos todos provêm de uma avaliação da última década feita por um autor, de fato, desconhecido. Ou melhor, não um desconhecido por completo. Basta libertarmos, ao menos, parte de nosso Espírito e logo reconheceremos a cruz que ele carrega; orgulhoso de lutar contra isso, triste por seus poucos companheiros de princípios e crente na possibilidade da luz dissipar as trevas. Sabemos sua nacionalidade agora: humano.
"Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século - a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância - não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis."   
Os Miseráveis, Victor Hugo



Gustavo de Campos

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O Velho Lunático

Bruno aguarda na porta do escritório, seu amigo Davi está prestes a sair. Combinaram de
parar em um bar após o trabalho.
O entardecer estava bonito. O sol avermelhava no horizonte e a penumbra da noite começava a se consolidar. Uma bela noite de sexta feira vicejava, sob a luz de uma lua crescente.
Entretanto a espera começava a se estender, e Bruno resolveu sacar um cigarro. Então, no momento em que ia acende-lo escuta uma voz rouca e calma dizer:
- Hey parceiro, poderia me ceder um cigarro?
Ele se vira e mira a figura cansada de um mendigo. Um velho mendigo de cabelos e barbas brancas, um chapéu marrom e porte mirrado.
- Claro. - Diz Bruno enquanto saca um cigarro de seu maço.
O mendigo pega o cigarro, acende e dá umas baforadas enquanto fala:
- Sabe rapaz, temos diante de nós uma grande História.
Bruno não entende muito bem o que diz o mendigo - já estava se aborrecendo - mas mesmo assim resolve perguntar:
- Que História?
Então o mendigo começa a contar:
- Sabe filho, olhe para essa lua que começa a surgir no céu.
O rapaz olha, meio desconfiado.
- Então - continua o mendigo - há alguns anos atrás construiram uma enorme farsa envolvendo ela.
- Os EUA, a nação mais poderosa do mundo, a maior máquina de guerra da história humana, sofreu um duro golpe em seu ego.
O rapaz parece interessar-se neste momento, nunca havia visto um mendigo tão eloquente.
- Sim. Isso mesmo. Foi um duro golpe para os EUA quando a URSS botou o primeiro homem na órbita da terra.
- Oh sim meu filho,Yuri Gagarin tornou-se uma pulga atrás da orelha para os americanos.
- Então, decidiram que era preciso fazer algo maior que isso. Um feito que ofuscasse o brilho da conquista Soviética.
- Foi então que John Kennedy decidiu que até o final dos anos 60 o homem iria pisar na lua.
- E foi exatamente o que eles fizeram, em 1969 o homem pisou na lua, ou melhor, os americanos fizeram parecer que o homem pisou na lua.
O rapaz nesse momento parece não acreditar, afinal, que aquele velho maluco poderia saber sobre isso?
- Acha estranho não é? Acha que estou maluco?
- Pois eu compreendo sua credulidade para com este fato. Não é culpa sua, foi condicionado desde menino a aceitar isso. Mas agora é hora de pensar.
- Me diga, não lhe parece realmente intrigante o fato de que o homem nunca mais voltou a lua depois do governo de Nixon? Não acha nem um pouco estranho a transmissão ser em tempo real? Ou então o fato da NASA ter perdido as fitas originais?
Bruno somente ouve, pensativo...
- Meu rapaz, essa é uma das maiores mentiras já contadas até hoje.E muita gente acredita nela, por que são levadas a acreditar. Os homens estão perdendo aquilo que tem de mais valioso.
- E o que é? - diz Bruno
- Ora, o poder de duvidar, o poder de questionar o que está diante de seus olhos e trazer a tona a verdade que estava obscura.
O rapaz realmente estava impressionado.
- Me diga uma coisa senhor, como sabe todas essas coisas?
Então o velho lhe diz:
- Nem sempre fui mendigo. Esta condição na qual estou foi algo que escolhi. Foi o lugar
para onde as escolhas de minha vida me levaram.
O rapaz quer saber mais e pergunta:
- Fez más escolhas?
E o Velho responde:
- Pelo contrário, fiz as melhores.
- Uma ultima questão - diz Bruno - ; qual era sua profissão?
- Bom - responde o velho - eu era editor de uma renomada revista. Perdi o emprego em 1969.
- Posso saber por que? - diz o rapaz.
- Claro - emenda o senhor -, o motivo é muito simples. Escrevi uma matéria com o seguinte título: Uma pequena mentira para um homem, uma grande lorota para a humanidade.
Neste momento chega Davi.
- Desculpe a demora amigo, vamos depressa. As meninas nos esperam.
Então Bruno responde:
- Não esquente, só deixe-me despedir de uma pessoa.
Ele procura o mendigo com os olhos e não mais o encontra. Tão depressa como veio ele se foi, deixando apenas uma guimba de cigarro acesa na boca da lixeira.

Marco Aurélio